Huayana Potosi - dia 3

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    Dia 2: Aqui

   Vídeo do segundo dia: Aqui

    E acordaram agente. Meia noite em ponto, eu levantei e vi o pessoal já começando a arrumar as coisas. Pra começo de conversa, eu não fechei o olho nem um minuto. Não dava pra dormir assim de repente as 7 horas da tarde, e eu estava muito, mas muito ansioso. Fiquei ouvindo música e olhando pro beliche de cima até o guia abrir a porta pra acordar a galera.
     E foi tudo muito apressado. Acordei, vesti o equipamento muito rápido, e fui comer, porque meu guia falo que agente iria sair uns 30 minutos antes do pessoal, já que eu iria bem devagar. Consegui comer uns 3 pães, joguei metade da minha água fora e enchi de água fervendo com folha de coca e açúcar, botei a água na mochila, meus chocolates, umas folhas de coca, e as câmeras (as baterias ficavam no bolso da primeira jaqueta, pois no frio extremo elas descarregam). E saí do refúgio.
     E eu tremia. Não sei se pelo frio, ou se pela ansiedade, ou os dois.
     O guia que me treinou no dia anterior, falou para eu colocar a jaqueta pesada na mochila, e só usar depois das 4 e meia da manhã, onde o frio seria extremo, e assim o fiz. Como eu usava todo o equipamento, só tinha a jaqueta, 2 litros de água/chá, e uns chocolates na mochila, e as câmeras, então ela estava bem leve, eu nem sentia ela nas costas, e isso me animou um pouco.
     Realmente eu e meu guia saímos antes do pessoal acabar de comer, junto com um guia com o japonês e um francês. Descemos por uns 10 minutos até onde iria começar a ficar complicado, e ele pediu pra eu colocar os meus crampons no pé. Eu não estava conseguindo, porque o outro guia mudo o tamanho dele para caber na mochila. Aí eu sentei na neve, tirei a luva e fui tentar arrumar. O guia pegou minha luva e jogou uns 10 metros pra baixo, dizendo que o vento poderia fazer aquilo, então eu nunca poderia tirar a luva e botar na neve. Está muito certo, mas era necessário jogar a luva? E claro, ele sempre reclamando que eu não treinei nada. E é verdade, o outro guia não havia me ensinado nada. Mas a culpa era minha? Eu em. Acabou que botei os crampons, ele amarrou a corda em mim, e começamos a andar.
     Cada passo afundava neve até meu joelho, e apesar de agente andar a passos de tartaruga (MUITO LENTAMENTE mesmo), era bem difícil caminhar.
     E agente caminhou, e eu conseguia enxergar bem lá atrás, a lanterninha na cabeça do pessoal que começou depois, e um pouco na frente, o outro guia e os outros 2 que estavam com ele. A lua estava bem forte, e quase que agente nem precisava de lanterna, e o frio já estava bem tolerável, agora que eu estava quente e animado.
     E agente andou aproximadamente uma hora, e paramos para descansar (eu estava precisando já), e o pessoal todo se juntou. Quando voltamos a andar, andamos por 20 minutos e meu guia falou que agente iria por outro caminho, um mais curto e mais fácil. O curioso é que só agente foi nesse caminho. Depois de meia hora sozinhos, encontramos os outros, mas bem na nossa frente. E eu nem tinha parado para descansar nem nada, então acabo que não sei se o guia estava era querendo me cansar pra eu desistir logo, porque ele tava bem escroto mesmo!
     E a propósito, umas duas vezes o guia parava de andar, e começava a bater o pé e a picareta no chão, e na segunda vez eu entendi o motivo: abriu um buraco na neve, e eu nem via o fundo. Era como se agente estivesse andando em uma pequena placa de neve, com um puta buraco pra baixo. Aquilo me assustou pra caralho, e agente teve que desviar do caminho um pouco por causa disso.
     Mas a pior coisa que eu já fiz na vida, ia acontecer depois de uma meia hora de encontrado o grupo. Eu comecei a ver as lanterninhas do pessoal se aproximando, mas curiosamente estavam muito alta. E estavam mesmo. Tinha uma parede de iceberg, que eu nem via aonde acabava, que agente ia ter que escalar. Eu até agora não sei que merda passou pela minha cabeça pra eu fazer aquilo.
     Logo que cheguei, o francês estava na metade da parede, escorregou os pé e ficou preso só pela picareta, seguido de gritos de todos os guias do tipo "VOCÊ VAI MATAR TODO MUNDO! PRESTA ATENÇÃO! FAZ ISSO NÃO!", porque tipo, você não tem proteção nenhuma, só uma corda de um metro amarrado no guia, que está escalando logo acima de você. Então se você cair, além de todo mundo que está embaixo, você leva seu guia junto.
     E eu, que vi neve duas vezes na vida antes desse tour, comecei a subir. O guia foi na frente, e eu subi. A propósito, agente treina com duas picaretas técnicas, e lá agente estava com uma normal. E eu fui subindo. E aproximadamente na metade, minha mochila bate em alguma coisa. Eu desviei muito para a direita, e acabei entrando em um vão entre duas paredes de gelo, e tive que descer e continuar para esquerda. Perto do final, a parede entorta para trás, como aquelas paredes de rapel mesmo, e quando olhei isso, olhei pra baixo e vi que estava facilmente a uns 15 metros do chão, entrei em pânico. Eu não conseguia me mexer. A sorte é que estava perto, o guia já estava la em cima e gritando pra mim não parar nem olhar pra baixo, e eu não sei da onde surgiu a força, e eu continuei, escorreguei os pés também, mas cheguei lá em cima. Dei dois passos e caí. E chorei pra caralho.
    Ou tentei, porque a falta de ar era tanta que nem isso dava direito. No treino do dia anterior, o americano falou que eu tinha que confiar no meu pé, e não apoiar tanto só na mão. E eu acho que confiei até demais. Eu nunca fiz tanta força nas panturrilhas, nos antebraços e nos ombros na minha vida. Um pouco por medo, um pouco por tensão, outra por pânico. E isso tudo anoite. Você só vê o pedaço da parede que a lanterna bate, o barulho do vento, o frio, o guia gritando e a lanterninha dele te olhando lá de cima. É desesperador. E novamente, até agora eu não faço ideia de porque e como eu fiz isso. Mas eu fiz.
     Alguns minutos depois deu ter desabado lá em cima, eu estava mais calmo, o guia só sentou do lado e nem falo nada, acho que ele fico até meio com dó de mim haha, e a maioria do pessoal já tinha começado a andar, exceto por umas 5 pessoas. Eu comi, bebi e respirei. E decidi voltar a andar. Um pensamento bem idiota veio a cabeça no momento: Eu vou ter que voltar por aqui? Mas logo tirei e levantei para andar. Dei três passos. Tive câimbra nas duas panturrilhas de uma vez. Caí no chão e fiquei ali mais uns 5 minutos, com muita dor e tremendo MUITO. O guia só falando pra eu voltar, que eu não dava conta e etc... bem animador. Mas eu falei que não ia parar ali. E não parei. E nesse momento, o japonês e o francês começaram a voltar. Não conseguiram prosseguir mais.
     Depois de umas 5 tentativas que foram impedidas por câimbras, eu descansei uns 10 minutos (com protestos do guia, que eu já estava pouco me fudendo também) e consegui voltar a caminhar. Cada passo que a neve vinha até o joelho, eu sentia dor nas pernas e no antebraço. Mas eu andei. Uns vinte minutos até eu ter que descansar novamente, e de novo, mais câimbras. E chorei de muita raiva nesse momento. Eu faço exercício porra, não sinto mal com altitude, e tinha um bando de pessoas que estavam andando e rindo nesse momento, porque eu não dava conta? Eu fiquei muito mas muito puto mesmo, e decidi voltar a caminhar de novo. Não antes do guia se aproximar, e eu já estava esperando ele falar merda, mas até que não. Ele falou bem calmo: "Se você pedir para descansar de novo nos próximos 20 minutos, agente vai voltar. Você precisa de muito mais energia para voltar, e você está visivelmente com dor e tremendo muito. Isso descansar não vai melhorar. E eu não posso permitir que você corra risco. Então, vamos tentar de novo?"
    Eu balancei a cabeça afirmando, arrumei meu gorro, porque eu sentia muita dor nas orelhas além de tudo, e levantei. Consegui andar os 20 minutos, mas numa parte relativamente perigosa, eu cai umas 3 vezes seguidas, por que não tinha força na perna mais. O guia voltou e já falou pra eu preparar para a decida. Nem reclamei. Só descansei uns 15 minutos, chorei pra caralho de muita raiva e desapontamento, mas aceitei a derrota. Afinal, o guia me disse que faltavam por volta de uma hora para o pico, e havia um paredão de 200 metros no final que era a parte mais difícil da escalada. Eu não tinha chances mesmo, então decidi voltar.
     A volta é MUITO rápida. Você tem que voltar pulando e meio que correndo, e foi bem fácil chegar na parede de glacier novamente. Aí dúvida foi sanada: Sim, agente ia ter que descer pela mesma parede. O guia pegou minha machadinha e começou a enfiar no gelo. Enfiou até o fim, e amarrou a corda nela. Essa era minha segurança. Uma corda amarrada em uma machadinha. Pelo menos era melhor que nenhuma né? E a descida é bem fácil na verdade, você desce igual fazendo rapel. Segura na corda e vai dando saltos para baixo. E como estava de dia, eu consegui ver o tamanho da parede, e percebi que se eu tivesse visto ela inteira algumas horas atrás, nenhuma parte de mim iria querer subir aquilo, e eu teria desistido ali mesmo.
     A volta foi bem tranquila, encontramos um lugar a cerca de uma hora do refúgio bem plano, com uma vista bem bonita, e o guia falo pra eu sentar pra ver o sol. Ele realmente ficou com dó de mim. Até começou a puxar assunto, e ficamos lá uns 30 minutos vendo o sol e comendo as trocentas barras de chocolate que eu tinha levado. A propósito, folha de coca é completamente inútil lá. Sua boca fica EXTREMAMENTE seca, e as folhas de coca só server para te engasgar.
     E só naqueles minutos que eu fui me tocar que eu pedi demais. Minha resistência física não pode ser comparada aos outros que já subiram montanhas, ou que atravessam a américa de bike. E meu pânico e desespero na parede fez eu fazer MUITA força, que até hoje, um dia depois, eu não consigo esticar meu pé pra baixo e fechar a mão por completo. Então eu aceitei melhor a derrota. E vi nascer do sol mais bonito que vi na vida, até mais do que no espelho do salar.
     E voltei para o abrigo, tomei um chá de coca, encontrei o francês vomitando por causa da altitude, arrumei meus equipamentos na mochila, e dormi cerca de uma hora, achando que havia acabado. Mas não mesmo.
     Acordei com o pessoal voltando, visivelmente exaustos, uns com extrema dor de cabeça, outros vomitando, mas todos chegaram no topo. Eu tava meio envergonhado ali de não ter conseguido, mas acho que não tinha motivo pra isso.
     Depois do pessoal comer e descansar, agente foi fazer aquela mini trilha do primeiro dia de volta, lembra? Só que agora abençoada por uma nevasca, e minha mochila de novo com uns trocentos kilos. E claro, com minhas pernas e costas ainda latejando. O americano levou uns 3 tombos até feios, e teve que parar pra trocar de bota, e eu continuei indo com meu guia. Claro que eu cansei e fui descansar, e todo mundo passou e continuou indo, e o que faltava acontecer? Sim, eu me perdi.
     Não tem trilha, é um bando de pedra com uma puta neblina, e eu não via ninguém. Chamei e ninguém respondeu. Nenhum barulho nem nada. Falei beleeeza, terminando com chave de ouro o passeio!
     E eu continuei a caminhar para a direção que eu meio que achava que era, e lembrava de algumas partes da vinda, então fiquei sozinho uns 10 minutos até que achei pegadas. Frescas. E segui elas por uns 30 minutos, até encontrar uma casa. Vazia. Andei mais um pouco e vi uma casa com um pessoal, e fiquei muito feliz.
     Chegando lá eu reconheço um guia de um pessoal que estava lá em cima, e felizmente, ele me reconheceu. Me falou que peguei a virada errada, e que vim pra casa errada, mas a outra era logo ali pra cima, cerca de uns 25 minutos. Ai eu lembrei que realmente tinha uma  casa próxima do abrigo, e fiquei feliz de ter encontrado. Triste era os 25 minutos a mais com as pernas arrebentadas, mas cheguei na porcaria do abrigo, a van já estava lá, só devolvi os equipamentos, entrei na van, e desmaiei, até ser acordado aqui em La Paz.
     Mas foi isso, Huayana Potosí 1 x 0 Eu. E na boa, placar final.

Tava até animado antes do paredão

Tremendo muito, a foto não saiu. Daí foi onde voltei

Quase atropeçando na volta! Não é legal cair aí...
Recompensa... Não foi no top mas ta valendo!

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